quarta-feira, 30 de novembro de 2016

PROCURADORES AMEAÇAM DEIXAR LAVA JATO SE PACOTE ANTICORRUPÇÃO ENTRAR EM VIGOR

Os procuradores da força-tarefa da Lava Jato ameaçaram hoje (30), deixar os trabalhos da operação se a proposta que prevê responsabilização de juízes e de membros do Ministério Público por crimes de abuso de autoridade entrar em vigor. A proposta, aprovada na madrugada de hoje (30) pelos deputados federais, integra o Projeto de Lei (PL) 4.850/16, que trata das medidas de combate à corrupção. 

“A proposta é renunciar coletivamente, se essa proposta vier a ser sancionada pelo presidente da República”, disse o procurador Carlos Lima em entrevista coletiva na tarde de hoje (30), em Curitiba. Para o grupo, o projeto aprovado pelos deputados é uma espécie de "Lei da Intimidação”, no lugar de medidas anticorrupção.

“Os procuradores da força-tarefa da Lava Jato vêm a público manifestar repúdio ao ataque feito pela Câmara dos Deputados contra investigações e a independência de promotores, procuradores e juízes. A Câmara sinalizou o começo do fim da Lava Jato”, diz a nota divulgada pelo grupo.

De acordo com a proposta aprovada pelos deputados federais, integrantes do Ministério Público poderão responder por crime de responsabilidade se instaurarem um procedimento “sem indícios mínimos da prática de algum delito” e manifestarem opinião em meios de comunicação sobre processos em andamento. A mesma regra valerá para magistrados. A pena é de reclusão de seis meses a dois anos e multa. Qualquer cidadão poderá representar contra magistrados.

Essa proposta foi aprovada por meio de uma emenda do deputado Weverton Rocha (PDT-MA), que foi incluída, durante a votação, no relatório do deputado Onxy Lorenzoni (DEM-RS_.

O projeto de lei teve iniciativa popular e foi entregue no Congresso Nacional com mais de 2 milhões de assinaturas de apoio e previa dez medidas apresentadas pelo Ministério Público. Na avaliação dos procuradores, da forma como foi aprovado pelos deputados, depois de diversas alterações, o projeto é uma ferramenta que protege a corrupção. 

“Fica claro com a aprovação dessa lei que a continuidade de qualquer investigação sobre poderosos, parlamentares, políticos, empresários, cria um risco pessoal para os procuradores. Somos funcionários públicos, temos uma carreira e não estaremos mais protegidos pela lei. Se acusarmos, poderemos ser acusados”, ressaltou Lima. Segundo os procuradores, a ferramenta aprovada é uma medida para intimidar o Ministério Público e o Poder Judiciário, “sob o maligno disfarce de “crimes de abuso de autoridade””.

Segundo a nota, o Congresso Nacional se aproveitou do luto nacional, causado pela queda do avião que levava a equipe da Chapecoense, para subverter o projeto inicial, apresentado pelo Ministério Público. “As 10 medidas foram rasgadas. Manteve-se a impunidade dos corruptos e poderosos, expressa no fato de que mais de 90% dos casos de corrupção que acontecem no Brasil não são punidos”, diz o documento.

“Ao chegar ao plenário [da Câmara, o projeto], foi deformado. Rasgou-se o texto da medida anticorrupção e foi aprovado um texto a favor da corrupção”, disse Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba.

A matéria ainda passará pela análise do Senado.

Janot e presidente do STF

Mais cedo, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também criticou as mudanças feitas pelos deputados federais no texto original do projeto de lei. Segundo Janot, as alterações colocaram o país “em marcha a ré no combate à corrupção”. De acordo com o procurador, “as 10 Medidas contra a Corrupção não existem mais”.

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, divulgou uma nota em que lamentou a aprovação do projeto que torna crime o abuso de autoridade para juízes e procuradores.

“A presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministra Cármen Lúcia, reafirma seu integral respeito ao princípio da separação dos poderes. Mas não pode deixar de lamentar que, em oportunidade de avanço legislativo para a defesa da ética pública, inclua-se, em proposta legislativa de iniciativa popular, texto que pode contrariar a independência do Poder Judiciário”, diz a nota.

O que mudou no pacote anticorrupção aprovado pela câmara

A Câmara dos Deputados aprovou em plenário, na madrugada, o Projeto de Lei 4850/16, que prevê um pacote de medidas contra a corrupção, entre elas a tipificação do caixa dois como crime eleitoral, a criminalização do eleitor pela venda do voto e a transformação em crime hediondo do ato de corrupção que envolva valores superiores a 10 mil salários mínimos.

A proposta surgiu a partir de uma campanha feita pelo Ministério Público Federal intitulada Dez Medidas Contra a Corrupção. Na votação, no entanto, foram retiradas seis das dez medidas sugeridas pelo MPF. Com as alterações, a ideia original do texto foi totalmente danificada, na avaliação do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. "As 10 Medidas contra a corrupção não existem mais. O Ministério Público brasileiro não apoia o texto que restou, uma pálida sombra das propostas que nos aproximariam de boas práticas mundiais", criticou. Membros e órgãos do Judiciário também manifestaram-se contra o texto aprovado na Câmara. A matéria foi aprovada por 450 votos a 1 e será enviada ao Senado.

Medidas suprimidas

Os deputados rejeitaram o ponto que tornava crime o enriquecimento ilícito de funcionários públicos, a proposta que previa acordos de leniência entre empresas envolvidas em crimes, as mudanças em relação ao tempo de prescrição de penas e a criação do confisco alargado, que permitiria o recolhimento de patrimônio da pessoa condenada pela prática de crimes graves. Também foram suprimidas as medidas que previam estímulo à denúncia de crimes de corrupção, além da proposta de acordos entre defesa e acusação para simplificar processos e o ponto que previa a responsabilização dos partidos e a suspensão do registro da legenda em caso de crimes graves.

Entenda quais são as medidas que constam no texto final

Juízes e promotores

A principal mudança feita pelos deputados ocorreu por meio de emenda do deputado Weverton Rocha (PDT-MA), aprovada por 313 votos a 132 e 5 abstenções. Ela prevê casos de responsabilização de juízes e de membros do Ministério Público por crimes de abuso de autoridade. Entre os motivos listados está a atuação com motivação político-partidária.

Divulgação de opinião

No caso dos magistrados, também constituirão crimes de responsabilidade proferir julgamento quando, por lei, deva se considerar impedido; e expressar por meios de comunicação opinião sobre processo em julgamento. A pena será de reclusão de seis meses a dois anos e multa.

Qualquer cidadão poderá representar contra magistrado perante o tribunal ao qual está subordinado. Se o Ministério Público não apresentar a ação pública no prazo legal, o lesado pelo ato poderá oferecer queixa subsidiária, assim como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e organizações da sociedade civil constituídas há mais de um ano para defender os direitos humanos ou liberdades civis.

Venda de votos

O eleitor que negociar seu voto ou propuser a negociação com candidato ou seu representante em troca de dinheiro ou qualquer outra vantagem estará sujeito a pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa.

Crime hediondo

Vários crimes serão enquadrados como hediondos se a vantagem do criminoso ou o prejuízo para a administração pública for igual ou superior a 10 mil salários mínimos vigentes à época do fato. Incluem-se nesse caso o peculato, a inserção de dados falsos em sistemas de informações, a concussão, o excesso de exação qualificado pelo desvio, a corrupção passiva, a corrupção ativa e a corrupção ativa em transação comercial internacional.

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