segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

MORRE O POETA MARANHENSE FERREIRA GOULLAR

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Morreu neste domingo (04), por volta das 11h,o poeta, ensaísta, crítico de arte, dramaturgo, biógrafo, tradutor e memorialista Ferreira Gullar aos 86 anos. O escritor estava internado há 20 dias no Hospital Copa D'Or, na Zona Sul do Rio, por complicações pulmonares. A partir de um quadro de pneumotórax, o escritor desenvolveu uma pneumonia. O velório acontece na noite de domingo, na Biblioteca Nacional, e continuará nessa segunda-feira na sede da ABL, às 9h.
‘corpo que se pára de funcionar provoca / um grave acontecimento na família: / sem ele não há José Ribamar Ferreira / não há Ferreira Gullar / e muitas pequenas coisas acontecidas no planeta / estarão esquecidas para sempre’

FERREIRA GULLAR 
Trecho do 'Poema sujo'

Quarto dos 11 filhos do casal Newton Ferreira e Alzira Ribeiro Goulart, ele nasceu José Ribamar Ferreira no dia 10 de setembro de 1930 em São Luis, no Maranhão, numa família de classe média pobre. Dividiu os anos da infância entre a escola e a vida de rua, jogando bola e pescando no Rio Bacanga. Considera que viveu numa espécie de paraíso tropical e, quando chegou à adolescência, ficou chocado em ter de tornar-se adulto, e tornou-se poeta.Foi na sua cidade natal que Gullar se descobriu artista ao ler a poesia de românticos, como Gonçalves Dias, e parnasianos, como Olavo Bilac e Raimundo Correia. 

No começo, acreditava que todos os poetas já haviam morrido e somente depois descobriu que havia muitos deles em sua própria cidade, a algumas quadras de sua casa. Com 18 anos, passou a frequentar os bares da Praça João Lisboa e o Grêmio Lítero-Recreativo, onde, aos domingos, havia leitura de poemas.

Descobriu a poesia moderna apenas aos 19 anos, ao ler os poemas de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Ficou escandalizado com esse tipo de poesia e tratou de informar-se, lendo ensaios sobre a nova poesia.

Pouco depois, aderiu a ela e adotou uma atitude totalmente oposta à que tinha anteriormente, tornando-se um poeta experimental radical, que tinha como lema uma frase de Gauguin: “Quando eu aprender a pintar com a mão direita, passarei a pintar com a esquerda, e quando aprender a pintar com a esquerda, passarei a pintar com os pés”.

Ou seja, nada de fórmulas: o poema teria que ser inventado a cada momento. “Eu queria que a própria linguagem fosse inventada a cada poema”, diria ele mais tarde. 

No início da década de 1950, o poeta se mudou para o Rio de Janeiro, onde conheceu o crítico de arte Mário Pedrosa e buscou introduzir na sua poesia as novas leituras: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes e Rainer Maria Rilke. 

Em 1954, lançou o livro A Luta Corporal, obra que o lançaria no cenário literário do país. Os últimos poemas deste livro resultam de uma implosão da linguagem poética e provocariam o surgimento na literatura brasileira da “poesia concreta”, de que Gullar foi um dos participantes e, em seguida dissidente, passando a integrar um grupo de artistas plásticos e poetas do Rio de Janeiro: o grupo neoconcreto.

O movimento neoconcreto surgiu em 1959, com um manifesto escrito por Gullar, seguido da teoria do não-objeto. Esses dois textos fazem hoje parte da história da arte brasileira, pelo que trouxeram de original e revolucionário. São expressões da arte neoconcreta as obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica, hoje nomes mundialmente conhecidos.

Militante do Partido Comunista, exilou-se na década de 1970, durante a ditadura militar, e viveu na União Soviética, na Argentina e Chile. Retornou ao país em 1977 e foi preso e torturado por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) no dia seguinte ao desembarque, no Rio. Foi libertado depois de 72 horas de interrogatório graças à pressão internacional e intervenção de amigos junto a autoridades do regime. Depois disso, voltou a trabalhar na imprensa do Rio de Janeiro e, depois, como roteirista de televisão.

Teatro

Durante o exílio em Buenos Aires, Gullar escreveu Poema Sujo, um longo poema de quase cem páginas e que é considerado sua obra-prima. Esse poema causou enorme impacto ao ser editado no Brasil e foi um dos fatores que determinaram a volta do poeta a seu país. Poema Sujo foi traduzido e publicado em várias línguas e países.

De volta ao Brasil, Gullar publicou, em 1980, Na vertigem do dia e Toda Poesia, livro que reuniu toda sua produção poética até então. Voltou a escrever sobre arte na imprensa do Rio e São Paulo, publicando, nesse campo, dois livros Etapas da arte contemporânea (1985) e Argumentação contra a morte da arte (1993), onde discute a crise da arte contemporânea.

Outro campo de atuação de Ferreira Gullar é o teatro. Após o golpe militar, ele e um grupo de jovens dramaturgos e atores fundou o Teatro Opinião, que teve importante papel na resistência democrática ao regime autoritário. Nesse período, escreveu, com Oduvaldo Vianna Filho, as peças Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come e A saída? Onde fica a saída? De volta do exílio, escreveu a peça Um rubi no umbigo, montada pelo Teatro Casa Grande em 1978.

Gullar afirmava que a poesia era sua atividade fundamental. Em 1987, publicou Barulhos e, em 1999, Muitas Vozes, que recebeu os principais prêmios de literatura daquele ano. 


Em 2002, foi indicado por nove professores dos Estados Unidos, do Brasil e de Portugal para o Prêmio Nobel de Literatura. Em 2007, seu livro "Resmungos" ganhou o Prêmio Jabuti de melhor livro de ficção do ano. A obra, editada 
pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, reúne crônicas de Gullar publicadas no jornal Folha de S.Paulo ao longo de 2005.


Em 2010, foi agraciado com o Prêmio Camões, o mais importante prêmio literário da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, pelo conjunto da obra. No mesmo ano, foi contemplado com o título de Doutor Honoris Causa na Faculdade de Letras da UFRJ. Um ano depois ganhou o Prêmio Jabuti com o livro de poesia "Em alguma parte alguma". No ano passado, publicou "Autobiografia poética e outros textos" (Autêntica), um misto de depoimento sobre sua vida e obra e reflexão sobre o fazer poético.
Eleito em 2014 para a Academia Brasileira de Letras, colecionava uma vasta lista de prêmios.


Abaixo, uma lista das obras fundamentais de Gullar ao longo de seis décadas.

- "A luta corporal", de 1954

Primeiro livro do poeta, que já tinha publicado textos em jornais do Rio de Janeiro e de São Luís, a obra traz experimentações gráficas que abriram caminho para os concretistas de São Paulo na segunda metade da década de 1950, os irmãos Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari à frente.

- "Manifesto neoconcreto" e "Teoria do não-objeto", de 1959

Os dois textos se tornaram marcos conceituais do neoconcretismo, movimento surgido no Rio de Janeiro que se afastava dos concretistas de São Paulo ao ampliar o espaço da subjetividade na obra de arte. Gullar já tinha rompido com os paulistas dois anos antes, por discordar do artigo "Da psicologia da composição à matemática da composição".

- “João Boa-Morte, cabra marcado para morrer”, de 1962

Em determinado período da carreira, Ferreira Gullar acreditava que era mais importante que sua poesia se comunicasse com um maior número de pessoas — mesmo que, com isso, fosse obrigado a sacrificar a sua qualidade formal. Seus poemas em forma de cordel, como os que estão presentes nesse livro, partem dessa preocupação em levar a luta política a um grande público.

- "Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come", de 1966

A peça em três atos, escrita em parceria com Oduvaldo Vianna Filho, estreou em abril de 1966 no Rio de Janeiro no Teatro Opinião. No elenco, o próprio Vianna Filho, Sérgio Mamberti, Agildo Ribeiro, Antônio Pitanga, Francisco Milani, entre outros. A peça recebeu os prêmios Molière, Saci e Governador do Estado de São Paulo, como melhor peça e melhores autores do ano.

- "Dentro da noite veloz", de 1975

No exílio desde 1971, após passar longo período na clandestinidade, o poema traz um Gullar preocupado com a necessidade de mudanças radicais no país. É resultado de sua busca de uma poesia que trata das questões políticas e sociais brasileiras, mas mantém sua qualidade literária, sem fazer concessão ao panfletário.

- "Poema sujo", de 1976

A obra mais conhecida do escritor chegou ao Brasil contrabandeada por Vinícius de Moraes no ano anterior. Exilado em Buenos Aires, Gullar gravou em uma fita cassete sua leitura do poema, que acabou lançado no Brasil sem a sua presença.

- "Na vertigem do dia", de 1980

Os poemas reunidos no livro mostram um poeta maduro em suas realizações literárias, estéticas e intelectuais e fazem um mergulho profundo nas entranhas da condição humana.

- "Argumentação contra a morte da arte", de 1993

Nesta série de ensaios, Gullar exercita o seu lado de crítico de arte para atacar as vanguardas e abordar questões delicadas da arte contemporânea, na sua opinião ameaçada pela falsidade e pela tolice dos jogos de marketing.

- "Muitas vozes", de 1999

Nos 54 poemas do livro, o escritor trata da morte, da vida, da poesia, das paisagens, dos medos e das reflexões provenientes da experiência no mundo moderno. Entre os destaques da obra, que ganhou os prêmios Jabuti e Alphonso de Guimarães, da Biblioteca Nacional, estão "Nasce o poeta", em que retrata o fazer poético, e "Visita", em que Gullar fala da morte do filho.

- "Em alguma parte alguma", de 2010

Lançado mais de dez anos após seu último livro de poemas, "Em alguma parte alguma" traz de volta temas abordados em "Muitas vozes", como a reflexão poética sobre a existência.

- "Autobiografia poética e outros textos", de 2015

Além de um ensaio autobiográfico inédito, a obra traz entrevistas, artigos, depoimentos e um caderno de fotos que compõem um amplo painel da vida e da obra do poeta maranhense.

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