Nota Técnica solicita anulação da resolução sobre o remanejamento em Alcântara e que sejam disponibilizados os documentos de interesse público (Foto: Divulgação) |
O Diário Oficial da União trouxe na edição da última sexta-feira (27) uma medida que afeta mais de 30 comunidades quilombolas que vivem no entorno do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). Trata-se da Resolução nº 11 de 26 de março de 2020, que versa sobre as deliberações do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro em sua sétima reunião plenária.
Dentre outros assuntos, o documento, bastante amplo, trata sobre a prorrogação de prazos de Grupos de Trabalhos (GTs), aprovação de relatórios e diretrizes sobre a orientação a famílias quilombolas, aprovação do plano de comunicação voltado para as comunidades e explica ações atinentes a cada ministério, diante do que foi estabelecido no documento como “políticas públicas destinadas às comunidades que habitam a área de interesse do Estado na consolidação do Centro Espacial de Alcântara”.
A resolução assinada pelo general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), também prevê que a base espacial avançará aproximadamente 12 mil hectares além da área já utilizada pelo CLA, o que na prática remove de seu habitat, precisamente, 792 famílias, segundo levantamento feito pelo Movimento por Atingidos pela Base Espacial (MABE).
Segundo o assessor jurídico das comunidades e integrante do Movimento dos Atingidos pela Base Especial de Alcântara (MABE) e membro da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Danilo Serejo, “não são qualquer 12 mil hectares, essa é justamente a região mais estratégica em termos de soberania alimentar porque é o litoral do município. Essas comunidades saindo da região e ficando sob controle dos Estados Unidos, nós vamos instalar um quadro grave de insegurança alimentar, além de dar como certa uma remoção que na prática deveria ser precedida de consulta prévia como dispõe a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) da qual o Brasil é signatário”, advertiu.
Ao todo, oito ministérios: Defesa; Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Educação; Cidadania; Saúde; Minas e Energia; Turismo; e Ciência, Tecnologia e Inovação, possuem já definidas suas atribuições num futuro remanejamento das famílias. Como exemplo, ao Ministério da Defesa coube o trabalho de execução da mudança e ao Incra, órgão vinculado ao Ministério da Agricultura, a missão de reassentá-las.
Já o Ministério do Turismo, deverá promover, de acordo com a resolução, por meio do Instituto Palmares e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a “recomposição de áreas e instalações compatíveis com as existentes nos espaços hoje habitados pelos quilombolas, para a prática de atos religiosos”.
Para o descendente de comunidades tradicionais de matrizes africana, ativista afro religioso e especialista em gestão do patrimônio cultural e imaterial, Neto de Azile, a medida provocará a destruição do sentido de pertencimento e identidade das comunidades existentes, com consequências destrutivas nas dimensões culturais, religiosas e biológicas, sem precedentes.
“É de fato o extermínio dessas populações, onde não mais coexiste a divisão entre território e suas tradições. O território é sacralizado por um sacerdote ou sacerdotisa onde se recria a ancestralidade africana no mundo ocidental. O que acontece, neste caso, é um etnocídio concorrendo também para o genocídio dessas comunidades. Nenhum engenheiro poderá determinar que esse ou aquele lugar poderá substituir algo que é sagrado”, declarou.
Para o secretário de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop), Francisco Gonçalves, a decisão foi precipitada e não considerou o cronograma de trabalho do grupo designado para fazer os estudos necessários que o caso requer.
“A Sedihpop enviou Nota Técnica (NT) diretamente ao general Augusto Heleno, à Delegacia de Patrimônio da União (DPU), ao Ministério Público Federal (MPF), para conselhos, organismos e comissões ligadas aos Direitos Humanos, onde explicamos ponto a ponto as razões pelas quais a resolução precisa ser sumariamente anulada. Nem mesmo o fato de estarmos vivendo um momento de pandemia por conta do alastramento do Coronavírus foi levado em consideração por parte do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro”, explicou Francisco Gonçalves.
Na Nota Técnica, a Sedihpop solicita, além da anulação da resolução, que sejam disponibilizados, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), o envio da íntegra de documentos de interesse público citados na Resolução nº 11/2020 do Comitê. “A resolução aprova documentos que sequer são de conhecimento da sociedade. Queremos saber o que contêm nos relatórios parciais dos Grupos de Trabalho, quais as diretrizes aprovadas destinadas a orientar a elaboração do Plano de Consultas às comunidades quilombolas e por fim, como, de que forma e o que contem esse tal plano de comunicação. A sociedade civil, em especial as comunidades atingidas pelas mudanças propostas na resolução, precisam ser tratadas com respeito e transparência quando o problema pode vir a ferir a dignidade humana de milhares de maranhenses”, pontuou Francisco Gonçalves.
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