sexta-feira, 17 de março de 2017

OPERAÇÃO CARNE FRACA: EMPRESAS "MAQUIAVAM" CARNE VENCIDA E SUBORNAVAM FISCAIS

Resultado de imagem para frigorificosA Polícia Federal (PF) deflagrou na manhã de hoje (17) a Operação Carne Fraca, que investiga o envolvimento de fiscais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em um esquema de liberação de licenças e fiscalização irregular de frigoríficos. Alguns dos principais grupos do setor no país estão na mira da operação, como o BRF, que detém as marcas Sadia, Perdigão, Batavo e Elegê, e o JBS, que opera com Seara, Swift, Friboi e Vigor.

A Justiça Federal no Paraná determinou o bloqueio de R$ 1 bilhão das investigadas. Segundo a PF, a Carne Fraca é, em números, a maior operação já realizada pela corporação no país. Cerca de 1.100 policiais federais cumprem 309 mandados judiciais em sete estados - 27 de prisão preventiva, 11 de prisão temporária, 77 de condução coercitiva e 194 de busca e apreensão nas casas e escritórios dos investigados e em empresas que fariam parte do esquema.

Em São Paulo, estão sendo cumpridos oito mandados de busca e apreensão; duas empresas e seis residências estão no alvo da operação – uma em Santo André e cinco na capital –; três de prisão preventiva (um em Santo André e dois em São Paulo); seis de condução coercitiva; e um de prisão temporária.

Até agora, dois homens e uma mulher foram presos em São Paulo e levados à sede da Superintendência da Polícia Federal paulista, de onde devem ser encaminhados para Curitiba para depor sobre o esquema de fraude envolvendo o comércio de carne.

Paraná, Minas Gerais e Goiás

Em quase dois anos de investigação, descobriu-se que as superintendências regionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento nos estados do Paraná, Minas Gerais e Goiás atuavam diretamente para proteger os grupos empresariais, em detrimento do interesse da coletividade.

De acordo com a apuração, os agentes públicos envolvidos no esquema valiam-se do poder fiscalizatório de seus cargos e facilitavam a produção de alimentos adulterados, mediante pagamento de propina, emitindo certificados sanitários sem qualquer fiscalização efetiva. Uma das irregularidades detectadas foi a remoção de agentes públicos com desvio de finalidade para atender aos interesses dos grupos empresariais.

Assim, eram viabilizadas ações ilegais de frigoríficos e empresas do ramo alimentício, que operavam em total desrespeito à legislação vigente. As ordens judiciais foram expedidas pela 14ª Vara da Justiça Federal em Curitiba e estão sendo cumpridas no Distrito Federal e em seis estados: São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás.

Ao longo das investigações, a Polícia Federal (PF) descobriu que os frigoríficos envolvidos no esquema criminoso "maquiavam" carnes vencidas com ácido ascórbico e as reembalavam para conseguir vendê-las. As empresas, então, subornavam fiscais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para que autorizassem a comercialização do produto sem a devida fiscalização. A carne imprópria para consumo era destinada tanto ao mercado interno quanto para exportação.

Carne podre

A informação de que ao menos um dos frigoríficos usava carne pobre em seus produtos está na decisão da Justiça Federal do Paraná e foi dada pela médica veterinária Joyce Igarashi Camilo.

Ela era a veterinária responsável pelo frigorífico gaúcho Peccin, em 2014, e argumentou que a empresa “também comprava notas fiscais falsas de produtos com SIF (Serviço de Inspeção Federal) para justificar as compras de carne podre, e utilizava ácido ascórbico para maquiar as carnes estragadas”.

Normélio Peccin Filho e Idair Antônio Piccin, sócios do frigorífico, têm algumas de suas declarações mencionadas na decisão, que deixam claro o aval para práticas ilícitas dentro das normas de vigilância sanitária alimentícia.

Em uma delas, autoriza o uso de presunto podre “sem cheiro” para a produção alimentícia. Em outra, Idair manda uma funcionária comprar 2.000 quilos de carne de cabeça, para a fabricação de linguiça.

IDAIR – Você ligou?
NAIR – Eu, sim eu liguei. Sabe aquele de cima lá, de Xanxerê?
IDAIR – É.
NAIR – Ele quer te mandar 2000 quilos de carne de cabeça. Conhece carne de cabeça?
IDAIR – É de cabeça de porco, sei o que que é. E daí?
NAIR – Ele vendia a 5, mas daí ele deixa a 4,80 para você conhecer, para fechar carga.
IDAIR – Tá bom, mas vamos usar no que?
NAIR – Não sei.
IDAIR – Aí que vem a pergunta né? Vamo usar na calabresa, mas aí, é massa fina é? A calabresa já está saturada de massa fina, é pura massa fina.
NAIR – Tá.
IDAIR – Vamos botar no que?
NAIR – Não vamos pegar então?
IDAIR – Ah, manda vir 2000 quilos e botamos na linguiça ali, frescal, moída fina.
NAIR – Na linguiça?
IDAIR – Mas é proibido usar carne de cabeça na linguiça…
NAIR – Tá, seria só 2000 quilos para fechar a carga. Depois da outra vez dá para pegar um pouco de toucinho, mas por enquanto ainda tem toucinho (ininteligível).
IDAIR – O toucinho, primeira coisa, tem que ver que tipo de toucinho que ele tem. 


“Tudo isso nos mostra que o que interessa a esses grupos corporativos na área alimentícia é, realmente, um mercado independente da saúde pública, independente da coletividade, da quantidade de doenças e da quantidade de situações prejudiciais que isso (a prática criminosa) causa”, afirmou o delegado federal Maurício Moscardi Grillo. Ele concedeu entrevista coletiva no final da manhã, na sede da Polícia Federal em Curitiba, para detalhar a operação, ao lado do superintendente da PF, Rosalvo Ferreira Franco; do delegado federal Igor Romário de Paula; e do auditor da Receita Federal Roberto Leonel de Oliveira Lima.

Moscardi disse, ainda, que parte do dinheiro pago aos agentes públicos abastecia o PMDB e o PP. A Polícia Federal disse que não identificou, no entanto, quais políticos foram beneficiados pelo esquema nem a ligação entre os funcionários do Ministério da Agricultura e esses partidos. “Não foi aprofundado porque o nosso foco era a saúde pública, a corrupção e a lavagem de dinheiro”, explicou o delegado.

A PF também afirmou ter interceptado um telefonema entre o ministro da Justiça, Osmar Serraglio, e o ex-superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná Daniel Gonçalves Filho – um dos investigados pela corporação. A Polícia Federal informou que não identificou, no entanto, ação criminosa por parte de Serraglio, que à época do telefonema era deputado federal. “Por cautela, no entanto, foi necessário fazer esse informe aqui para não sermos questionados”, disse Moscardi.

Investigação

Além do repasse de dinheiro, os agentes públicos recebiam como propina produtos alimentícios das empresas, segundo a PF. Alguns, inclusive, já estariam começando a reclamar da qualidade dos alimentos que ganhavam para fazer vista grossa na fiscalização.

O delegado Maurício Moscardi ressaltou que a responsabilidade pelos atos criminosos é compartilhada por empresários e agentes públicos. “Não havia uma relação de extorsão, mas sim de benefício e de alimentação mútua entre eles. Os empresários também incentivavam e se sentiam próximos desse esquema; eram corruptores”, afirmou.

Dentro do Ministério da Agricultura, a PF descobriu que os funcionários envolvidos promoviam remoções (transferências) de fiscais para garantir a continuidade do esquema criminoso. A investigação começou, inclusive, depois que um fiscal se recusou a ser removido ao descobrir fraudes em uma das empresas envolvidas.

Outro lado

Um dos alvos da Operação Carne Fraca, o grupo JBS destaca, em nota oficial, que adota “rigorosos padrões de qualidade” para garantir a segurança alimentar de seus produtos. “A companhia repudia veementemente qualquer adoção de práticas relacionadas à adulteração de produtos – seja na produção e/ou comercialização – e se mantém à disposição das autoridades com o melhor interesse em contribuir com o esclarecimento dos fatos”, diz o texto.

Segundo a empresa, a ação deflagrada hoje atingiu três unidades da companhia, sendo duas no Paraná e uma em Goiás. A JBS ressalta que “não há nenhuma medida judicial contra os seus executivos”.

Também em nota oficial, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, disse que, diante dos fatos narrados na operação, decidiu cancelar a sua licença de 10 dias do ministério. "Estou coordenando as ações, já determinei o afastamento imediato de todos os envolvidos e a instauração de procedimentos administrativos", informou. "Todo apoio será dado à PF nas apurações. Minha determinação é tolerância zero com atos irregulares no Mapa", acrescentou.

Segundo Blairo Maggi, a apuração da PF indica que os envolvidos no esquema ilegal praticaram "um crime contra a população brasileira", que deve ser punido "com todo o rigor". "Muitas ações já foram implementadas para corrigir distorções e combater a corrupção e os desvios de conduta e novas medidas serão tomadas", afirmou. Para o ministro, no entanto, é preciso separar "o joio do trigo" durante as investigações.

O Ministério da Justiça também divulgou nota depois que a operação foi deflagrada. O texto afirma que a menção ao nome de Osmar Serraglio na investigação é uma prova de que o ministro não vai interferir no trabalho da Polícia Federal. “A conclusão, tanto pelo Ministério Público Federal quanto pelo juiz federal, é a de que não há qualquer indício de ilegalidade nessa conversa degravada”, ressalta a nota.

O PMDB, citado pela PF como suposto beneficiário de parte da propina, declarou que “desconhece o teor da investigação, mas não autoriza ninguém a falar em nome do partido”. O PP, também apontado pela investigação como destinatário do dinheiro, ainda não se manifestou sobre o assunto.

Repercussão

No final da manhã, a Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) emitiu nota oficial assinada pelo presidente da instituição, João Martins da Silva Júnior. No texto, a entidade que “os fatos envolvendo frigoríficos e fiscais agropecuários sejam apurados com rigor e que, uma vez comprovados, possam levar à punição exemplar dos envolvidos”.

A nota da CNA diz, ainda, que os produtores rurais brasileiros têm dado “grande contribuição ao desenvolvimento nacional” e afirma não ser justo que eles tenham a imagem “maculada pela ação irresponsável e criminosa de alguns”.

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